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Raw Traveller

Explorar o mundo através das lentes: um blog de viagem e natureza, onde as fotografias são a principal inspiração para a criação de narrativas visuais únicas, repletas de detalhes e curiosidades.

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Explorar o mundo através das lentes: um blog de viagem e natureza, onde as fotografias são a principal inspiração para a criação de narrativas visuais únicas, repletas de detalhes e curiosidades.

26 de Janeiro, 2024

O Birdwatching e o lado artístico da fotografia de Natureza: será sempre necessário criar impacto?

papa-figos

A fotografia começou como uma forma de preservar as memórias ou de criar retratos que antigamente eram produzidos pelos grandes mestres da pintura. No entanto, hoje desempenha um papel muito relevante na preservação do conhecimento e, mais recentemente, na divulgação do conhecimento científico.

A documentação histórica, seja através da gravação de eventos com elevada relevância, de lugares, ou pessoas ao longo do tempo, ajuda a que as gerações futuras tenham provas dos mais diversos acontecimentos. Podemos afirmar que, neste campo, a fotografia desempenha um papel semelhante ao que, por exemplo, as pinturas rupestres gravadas nas paredes de Vila Nova de Foz Côa desempenharam para as pessoas que as descobriram: sem elas seria mais difícil concluir como teria sido o modo de vida naquela época e, principalmente, que povos habitaram aquela região. No campo da ciência, a fotografia tornou-se uma ferramenta essencial para a documentação de experiências, descobertas ou até mesmo observações que podem ser feitas pelo comum cidadão (como é o caso do birdwatching).

Desde a sua génese, a fotografia tem tido um enorme papel na catalogação e documentação das descobertas científicas feitas nas mais diversas expedições: fotografar a paisagem, fauna e flora são formas eficazes de comprovar as mais diversas descobertas científicas.

O papa-figos Oriolus oriolus é uma ave que pode ser observada um pouco por todo o nosso país, mas pode ser mais facilmente observada no interior de Portugal. Sendo uma ave estival, a sua observação só é possível durante os meses quentes do ano (mais ou menos entre Maio e final de Julho). Muita gente conhece o nome desta ave devido ao vinho da região vinícola do Douro, mas esta ave de cores vivas, amarelas e pretas, é mais facilmente ouvida do que observada. Como tal, o seu registo fotográfico é mais do que uma simples fotografia! Pode trazer informação sobre a mesma e sobre o seu habitat, bem como dar a conhecer a existência desta espécie aos habitantes das regiões que ela frequenta ou ainda mais importante, das regiões onde não pode ser observada. Estas imagens são um estímulo que leva as pessoas a percorrerem os mais diversos trilhos deste país a fotografar: para nós pode ser uma simples ave ou flor, mas para a ciência pode ser uma espécie num local onde nunca tinha sido observada.

papa-figos

As duas fotografias que vos apresento hoje foram tiradas ao mesmo indivíduo num espaço de poucos minutos e, como era de esperar, primeiro ouvi o chamamento e só depois é que consegui encontrar a ave pousada num ramo de uma árvore. As cores vivas e vibrantes do papa-figos destacam-se da moldura verde criada pela presença das diversas folhas das árvores envolventes: este enquadramento foi uma decisão artística que penso trazer uma dimensão diferente à fotografia. Mas será que fotografias de Natureza têm sempre de apresentar uma dimensão mais artística ou podem ser simples snapshot’s (ou seja, um simples registo)? Bem, a resposta é depende! E depende do propósito da sua utilização.

No primeiro caso, uma fotografia com impacto já tem de ter um lado artístico associado e o fotógrafo tem de dominar as técnicas de exposição e composição. Este grupo de fotografias é normalmente usado para criar algum impacto: não só dar a conhecer uma espécie, mas também para dar a conhecer um problema que afecta essa espécie. Não é um tipo de fotografia que seja obrigatória de submeter no Ebird (base de dados de observação da avifauna) juntamente com uma lista de espécies que identificamos ao longo de um trilho. Os Humanos são seres que ficam sensibilizados quando vêm imagens marcantes e com algum significado: uma fotografia de uma ave numa armadilha tem menos impacto do que a mesma fotografia, mas desta vez com o caçador ao lado a segurar as armadilhas ou em várias aves mortas. Nestes cenários, as fotografias têm de contar uma história!

 No segundo caso, um snapshot tem como objectivo provar ou mostrar que uma determinada espécie (fauna ou flora) ou formação rochosa existe num determinado local. Pode ser um bom material de apoio para colocar em bases de dados como o Ebird e torna-se uma ferramenta útil para quem se dedica a tratar dados de ciência cidadã (dados registados pelo público em geral). Esta, na minha opinião, não precisa de ser tecnicamente bem tirada e todos nós podemos tirar; os únicos requisitos é estar focada e dar para ver elementos-chave para a sua identificação (principalmente em espécies muito semelhantes).

Numa última análise, a fotografia evoluiu para ser uma ferramenta multifacetada, capaz de preservar, documentar e sensibilizar. Seja como uma janela para o passado, um instrumento científico ou uma forma de expressão artística (como no caso das minhas duas fotografias do papa-figos), as imagens capturadas continuam a desempenhar um papel crucial na forma como compreendemos e partilhamos o conhecimento. Ao preservar a essência de uma época ou revelar os desafios enfrentados pela fauna e flora, as fotografias permanecem como testemunhas visuais, incitando à reflexão e à ação.