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Raw Traveller

Explorar o mundo através das lentes: um blog de viagem e aventura, onde as fotografias são a principal inspiração para a criação de narrativas únicas e surpreendentes, repletas de detalhes e curiosidades.

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02 de Junho, 2023

Capturar a Lenda: fotografar a Capela do Senhor da Pedra ao pôr-do-sol.

Os passadiços de madeira que vemos espalhados pela nossa costa são uma solução eficaz para preservar o cordão dunar que é composto por habitats ricos que necessitam de ser preservados. Estas estruturas são o piso usado para percorrer parte da rota do Atlântico, sendo que o troço entre Valadares e o Senhor da Pedra foi alvo do meu olhar fotográfico. A missão era simples: fotografar a icónica Capela do Senhor da Pedra.

 

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O sol já estava a baixar quando nos fizemos ao caminho; os mais atentos notaram a transição da luz espelhada no alongar das sombras. Os pescadores são uma presença notória ao longo da costa, estes usam a última luz do dia para conseguir levar algum rendimento ou simplesmente levar o jantar fresco para a mesa. No entanto, a pesca e a acção inconsciente dos pescadores está refletida nos areais ou, como registei, no caixote do lixo (provavelmente após alguém ter andado a limpar). Um dia voltarás! Um dia voltarás atrás e percebes que a poluição que provocaste tirou-te o sustento. É só uma frase que podia ter dito ao pescador.

 

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O passadiço ondula ao sabor do frágil cordão dunar, que tenta proteger as populações dos dias agitados que a costa atlântica tem. É comum termos ondulações, designadas por marés vivas, que chegam até à estrada ou que levam os frágeis bares. Este bar parece ter encontrado nas dunas um aliado para a sua preservação. Não nos podemos esquecer que as dunas são a última linha de defesa que temos e que a má gestão da orla costeira só nos está a levar à desgraça!

          

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Uma pequena ribeira a desaguar no oceano leva-nos a sentir que estamos perto do destino e aí percebemos o aproximar de uns patos que só querem aproveitar os últimos raios de sol. As praias ganham uma vida diferente nesta hora do dia, ou ficam movimentadas ou são o refúgio para a brincadeira de uma criança.

  

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Estamos quase! A Capela do Senhor da Pedra já se vê ao longe e a floração dos chorões da praia (uma espécie invasora que temos de erradicar) serve de primeiro plano para enquadrar a luz que toca nas ondas desfocadas. O cheiro da vegetação dunar conjugada com o mar cria uma experiência sensorial muito parecida com a que temos quando estamos a comer o nosso prato favorito… está um cheiro intenso a caril no ar!

 

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Mais à frente, a vegetação enquadra a Capela do Senhor da Pedra e é neste momento que temos a primeira visão da estranha construção colocada no cimo das rochas e em pleno oceano. Felizmente a maré está baixa e é possível ver a estrutura completa das rochas. 

 

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A construção da capela remonta ao século XVII e foi erguida em honra de um culto pagão dedicado, provavelmente, a divindades marítimas. O edifício apresenta uma arquitetura única, sendo que está construída em forma de octógono e possui uma porta principal ornamentada, janelas em arco e uma cúpula. Uma das tradições mais conhecidas associadas ao Senhor da Pedra é a Romaria do Senhor da Pedra, que este ano ocorre no fim-de-semana de publicação deste artigo (3 a 6 de junho de 2023). 

É inegável que a Capela apresenta um misticismo e uma beleza arquitetónica que atrai os fotógrafos. É a representação de que a Natureza e o Homem podem conviver de forma harmoniosa, principalmente se tivermos em conta que uma das lendas da Capela diz respeito aos poderes especiais de proteção contra tempestades e naufrágios. Reza a lenda que a estátua do Senhor da Pedra ganha vida em noites de tempestade de forma a guiar os pescadores em segurança até terra. Na verdade, é uma das várias lendas associadas a este local.

 

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É interessante que as dunas, que hoje tanto tentamos proteger e restaurar (e que outrora tentamos destruir em detrimento de casas com entrada para a praia), são a analogia perfeita para o poder protetor que o Senhor da Pedra tem! Analogias à parte, a protecção das pessoas que nos são próximas e importantes é um tema recorrente nas nossas lendas; na verdade o que seria de nós sem aqueles que nos amam? Todos temos o “Senhor da Pedra” que tenta trazer os nossos “pescadores” em segurança para terra, mesmo quando se encontram a observar as ondas acariciadas pelo início do pôr-do-sol.

 

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Tudo se alinha quando os últimos raios de sol atingem as várias rochas espalhadas pelo areal. Sempre fui atraído por estas fotografias mais simples e abstractas que não nos dizem nada, mas ao mesmo tempo dizem tudo: são primeiro ato da peça que é o pôr-do-sol! Não uso a palavra abstracta no contexto de não sabermos o que é, mas sim no contexto de não sabermos onde é. Podemos tirar esta fotografia em qualquer praia por este mundo fora e é nesse mistério que reside a minha atracção por este tipo de fotografias.

 

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A hora chegou! O forte amarelo dá lugar ao rosa ténue de um pôr-do-sol sem praticamente nenhuma nuvem para “agarrar” a luz, no entanto a neblina apareceu e criou uma atmosfera mágica que ligou os vários elementos da fotografia que queria captar. No primeiro plano, as rochas captam a última luz intensa e criam uma leading line até ao plano do meio, que é constituído pelo rebentar das ondas. As luzes captadas pela água transportam-nos para o plano de fundo, onde temos o ponto mais importante desta fotografia: a Capela do Senhor da Pedra. As transições entre as camadas de cor no céu ajudam a criar uma harmonia e uma sensação de calma que só pode ser transmitida durante o pôr-do-sol.

 

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A Capela do Senhor da Pedra é altamente usada para criar as mais diversas fotografias e muito provavelmente já é um cliché na fotografia de paisagem em Portugal, no entanto os clichés também são para ser fotografados. Acredito que há composições que ainda não foram exploradas e por isso tenciono voltar a este local para fotografar a Capela nos mais variados ambientes.