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Raw Traveller

Explorar o mundo através das lentes: um blog de viagem e natureza, onde as fotografias são a principal inspiração para a criação de narrativas visuais únicas, repletas de detalhes e curiosidades.

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19 de Maio, 2023

Os segredos ocultos do Caminho Português de Santiago até Redondela: Uma jornada inesquecível de Peregrinação! (Parte 1)

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Esta é a primeira parte do relato da minha viagem a Santiago de Compostela; para a semana irei falar da segunda parte.

Os Caminhos de Santiago são um conjunto de rotas que terminam na cidade de Santiago de Compostela, na província da Galiza. A sua história remonta ao início do cristianismo, quando a peregrinação se tornou uma prática comum. No entanto, foi somente no século IX que começou o culto ao apóstolo São Tiago. Segundo a lenda, o corpo do apóstolo foi descoberto no século IX por um eremita chamado Pelayo, que foi guiado por uma estrela até o local onde o corpo estava enterrado. O bispo de Iria Flavia, Teodomiro, reconheceu a descoberta como um milagre e ordenou a construção de uma igreja no local. Com o tempo, a cidade de Santiago de Compostela cresceu em torno da igreja e tornou-se um importante destino de peregrinação. Os Caminhos de Santiago foram estabelecidos como uma rota oficial de peregrinação no século XII, quando o Papa Calisto II declarou que quem fizessem a peregrinação e visitasse o túmulo de São Tiago durante o Ano Santo Compostelano receberia uma indulgência plenária, ou seja, o perdão total de seus pecados.

Dia 0 - A chegada a Tui (autocarro + 6 km)

O único objectivo deste dia era chegar à fronteira de autocarro e fazer os primeiros seis quilómetros do caminho para chegar a Tui. A viagem de autocarro, apesar de ter sido longa, foi bastante tranquila e deu para apreciar as belas paisagens da costa portuguesa até Viana do Castelo, sendo que depois disso temos uma mudança para o Portugal rural. Cheguei a Valença do Minho à hora de almoço e após comer algo tirei umas horas para visitar a cidade que outrora protegia parte da fronteira norte de Portugal. A cidade foi fortemente fortificada com a construção de uma muralha defensiva no século XVII. Atualmente, Valença do Minho é conhecida pelo encanto medieval, pelas suas muralhas preservadas, ruas estreitas e casas de granito. O calor apertava e fazer seis quilómetros não foi a tarefa mais fácil, mas também foi o início ideal para quem nunca fez algo do género. Pode parecer curto, mas é precisamente a distância ideal para habituar o corpo ao esforço que nos espera.

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Tui ganhou importância, durante a ocupação romana, como um centro comercial e estratégico graças à sua localização às margens do rio Minho.  Esta cidade é conhecida pela catedral de Santa Maria de Tui que é paragem obrigatória para qualquer peregrino, nem que seja porque passamos obrigatoriamente à sua porta. A cidade mantém uma atmosfera medieval encantadora, com as suas ruas em calçada, casas antigas e muralhas bem preservadas. A primeira noite foi passada num maravilhoso convento convertido em albergue que apresenta umas condições incríveis para os peregrinos e tem um admirável jardim interno. Hora de ir jantar e dormir; amanhã começa a aventura!

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Dizem que o caminho é mais psicológico do que físico. E a verdade é que já sinto um desconforto... não físico, mas sim psicológico.
Mas porquê? Talvez por ir à procura do desconhecido, por estar a sair da minha zona de conforto. Apesar disso, desde manhã, ou melhor desde que entrei no autocarro, sinto uma sensação de calor (psicológico, claro). Uma estranha sensação de "tudo vai correr bem", é como se fosse um conforto no desconforto. Pode ser bom como pode ser mau, só o tempo o dirá.

Dia 2 - Amizades improváveis (Tui - O Porriño, 18 km)

O despertador tocou às seis da manhã e como tal foi hora de começar o caminho, mas não sem antes comer alguma coisa... isto de caminhar de estômago vazio não é fácil! O plano era simples: caminhar até ao primeiro café para um verdadeiro pequeno-almoço, depois é seguir caminho e parar sempre que apetecer. Parar quando quiserem é uma das dicas mais valiosas que posso dar, não tentem andar ao ritmo dos outros.

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A manhã estava fresca, mas calma. Não vi muitos peregrinos nos primeiros quilómetros, mas após passar o bosque à saída de Tui vi umas dezenas de pessoas que seguiam em fila junto à estrada nacional que nos conduz até ao próximo bosque. Ao longeomeçava-se a ouvir um barulho melódico que passo a passo vinha a aumenta. Foi sóapós algumas centenas de metros que reparei em duas pessoas a tocar gaita-de-foles. Estes pequenos gestos aliviam qualquer dor que possamos sentir. 

Um quilómetro depois: o primeiro café. Com isto, é hora de parar e parece que todos tivemos a mesma ideia! Como não havia mesas livres decidi juntar-me a um grupo que tinha chegado ao mesmo tempo, os três eram espanhóis e como tal pessoas de conversa fácil. No entantohavia um problema: a língua. Parece sempre estranho, mas apresar de nós termos facilidade em perceber o castelhano, os espanhóis têm alguma relutância em perceber o português. Mas o desenrasque é uma arte inata a todos nós e por isso tudo se resolve. Ah! Lembrem-se de carimbar as credenciais em todos os pontos onde pararem. É verdade que basta dois por dia, mas os carimbos são uma lembrança especial. Eles guardam memórias.

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Estava na hora de retomar e de vestir o impermeável para evitar os chuviscos. Acabei por me juntar aos três espanhóis para fazer o resto da etapa com companhiaporque estava com algum receio de falhar uma sinalização. Então, mas não está bem sinalizado? Sim, está, mas esta etapa tem um desvio (caminho complementar) que evita o polígono industrial que foi construído na estrada oficial do caminho. Este receio não se veio a confirmar porque o desvio está (como é óbvio!) bem marcado. Quando comecei o caminho, tinha a intenção de não fazer nenhuma etapa acompanhado, pois não queria ficar condicionado ao ritmo das outras pessoas. Sei que tenho um ritmo muito próprio, que paro sempre que me apetece e queria tempo para conseguir criar fotografias que retratassem os dias. A isto temos de adicionar a relutância dos três falarem em inglês, só porque assumem que eu é que me tenho de esforçar para ser percebido. Na verdade, só um deles é que se deu ao trabalho (porque deve ter percebido que não dizia uma palavra) de começar a falar em inglês e aí admito que o caminho ficou mais fácil e os quilómetros passaram mais rápido. O caminho ajuda a criar "amizades de circunstância".

Os últimos quilómetros do dia são feitos pelo parque urbano que nos leva até O Porriño, já na província de Pontevedra. A história desta cidade remonta à época romana, quando era um importante povoado chamado Porriolus. Durante esse período, a cidade prosperou como cntro agrícola e comercial, beneficiando da sua localização estratégica nas rotas comerciais romanas. Durante a Idade Média, a cidade sofreu invasões e batalhas entre os reinos cristãos e muçulmanos da Península Ibérica. No século XIX, a chegada da indústria do granito trouxe um novo impulso a O Porriño. Com isto, a cidade tornou-se num importante centro de extracção e processamento de granito. Dezoito quilómetros feitos e é hora de almoçar até ser horas de poder dar entrada no albergue. Hora de descansar!

Quando se vem sozinho para o caminho sabemos que mais tarde ou mais cedo corremos o "risco" de fazer amizades. Mas não é estranho chamar amizade a algo que só vai durar uns quilómetros? Qual será a definição de amizade: Será algo que dura uma vida? Ou pode ser algo que começou há um km o que só vai durar umas horas? Ou é um sentimento que temos por alguém que deixou algo em nós? Penso que cada um de nós terá uma definição diferente.
Para mim, amizade é algo que dura, mas o caminho ensinou-me que a amizade também pode ser um laço criado no momento, algo efémero; basta essa pessoa ter deixado algo em nós. Uma palavra, um gesto, ou uma conversa que ajuda a passar o tempo.
A verdade é que depois deste dia, dei por mim a pensar nas pessoas que fui conhecendo, principalmente a pensar se conseguiram chegar bem.

Dia 3 (O Porriño - Redondela, 20 km)

O despertador tocou às 5h45 e fui a única pessoa a acordar tão cedo. Não havia necessidade de acordar a esta hora, mas queria fazer a etapa sozinho e para tal tinha de acordar antes de todas as pessoas. Tomei o pequeno-almoço no banco de jardim, ainda frio e molhado devido ao orvalho, enquanto via os bares a fechar. Uns vão dormir, eu vou caminhar! O plano? É o mesmo do dia anterior.

O dia não teve grande história apesar de ter sido um dia difícil para quem gosta de andar a caminhar na natureza. O alcatrão foi a minha companhia e se fossemos sempre pela estrada nacional chegaríamos a Redondela em poucas horas, mas o traçado evita o perigo que essa estrada pode ter e envia-nos (e bem!) por vários povoados. O problema é que o primeiro povoado só surge ao fim de seis quilómetros. A vila de Mós é possivelmente a única hipótese para comprar comida e tomar um café durante toda a etapa (nesta localidade também há um albergue público).

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Neste dia senti a necessidade de meter fones para conseguir continuar. Caminhar em alcatrão não é fisicamente exigente, mas sim psicologicamente exigente porque parece que os quilómetros não passam. A entrada em Redondela é feita por uma zona florestal que nos leva por uma descida acentuada até à estrada nacional que evitamos à saída de O Porriño. A história de Redondela remonta aos tempos em que era um povoado romano conhecido como Flaviobriga. Durante o período romano, a cidade era um importante ponto de passagem na Via XIX, uma das principais rotas romanas que ligavam Braga (Portugal) a Astorga (Espanha). Redondela é um local importante para os peregrinos, pois é onde se encontra uma das Igrejas mais importantes, a Igreja de Santiago de Redondela. Aqui há a junção entre o Caminho Português da Costa e o Caminho Português.

O destino final não foi a cidade, mas sim a sua periferia. Fiquei num albergue que pertence a um restaurante e que já se encontra dentro da próxima etapa. Se há albergue que eu recomendo é este! A senhora é simpática, o restaurante é óptimo, em conta e tem uma vista incrível sobre a Ria de Vigo. Foi neste albergue que conheci um peregrino escocês que vive no Porto e que estava a fazer o caminho de bicicleta. Hora de ir molhar os pés e ir descansar.

Hoje dei por mim a questionar se os meus "companheiros de viagem" chegaram bem! Talvez isto queira dizer que algo deles ficou gravado em mim.
Mas falando do dia de hoje…que dia! Foram 20km praticamente em alcatrão, por meio de casas e com uma breve passagem numa povoação... Bem, os quilómetros parecia que não passavam! Foi um dia mau para fazer sozinho, mas não era isso que eu queria? Estar sozinho? Às vezesque desejamos bate com força. Tudo à volta parecia ruído, os carros a passar, as pessoas nos cafés... No entanto, mal se ouviram pássaros. Talvez amanhã dê para apreciar o silêncio nesta era do ruído!

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Podem ler a segunda parte da viagem aqui.

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