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Raw Traveller

Explorar o mundo através das lentes: um blog de viagem e natureza, onde as fotografias são a principal inspiração para a criação de narrativas visuais únicas, repletas de detalhes e curiosidades.

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Explorar o mundo através das lentes: um blog de viagem e natureza, onde as fotografias são a principal inspiração para a criação de narrativas visuais únicas, repletas de detalhes e curiosidades.

31 de Janeiro, 2025

À descoberta das aves da costa portuense: um olhar sobre a Tarambola cinzenta e o corvo marinho de fases brancas... e não só!

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A manhã amanheceu soalheira, com os primeiros raios de sol a iluminar a paisagem. A verdade é que, até à data, tem sido um inverno atípico, com muito sol e pouca chuva, contrastando com o que se espera desta estação (fast-forward para o presente, onde uma tempestade fustiga a região).

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O inverno é uma altura mágica para observar aves migradoras na costa portuguesa. Por um lado, são obrigadas a aproximar-se da costa em dias de tempestade; por outro, vêm diretamente procurar o bom tempo da nossa costa. É o que acontece com o corvo-marinho-de-faces-brancas! Facilmente avistado nas praias ou em qualquer zona rochosa das nossas praias e estuários, esta espécie é muitas vezes indesejada por pescadores e aquacultores. É aqui que a linha fina entre o ser humano e a natureza é frequentemente ultrapassada. Esta espécie (ou outras) não vai acabar com todo o peixe no mar ou nas aquaculturas (compreendo que a perda monetária possa ser enorme, mas há formas de evitar isso sem recorrer à eliminação dos animais).

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A inconfundível silhueta de uma ave escura, com bico e cauda longos, seja a planar rente à água ou pousada com as asas abertas a secar ao sol, revela-nos de imediato que estamos perante um corvo-marinho. A sua presença traz uma dinâmica especial à paisagem costeira, onde o contraste entre a sua plumagem negra e os tons acastanhados das rochas cria um jogo de luz e sombra fascinante. Fotografá-lo nesse cenário não só evidencia a sua elegância e imponência, como também realça as texturas naturais do ambiente, criando linhas visuais que conduzem o olhar através da composição da imagem.

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A maré baixa revela o verdadeiro encanto da costa portuguesa, e as formações rochosas tornam-se um autêntico santuário para a observação de limícolas (e marinhas). Estas aves, especialistas em procurar alimento entre as poças e fendas das rochas expostas, transformam o cenário num festim para os observadores mais atentos. O chilrear discreto, os movimentos ágeis e a interação entre as diferentes espécies compõem uma sinfonia natural que torna este momento ainda mais especial. Apesar de serem espécies comuns e facilmente observáveis, as pessoas tendem a não lhes prestar atenção — é quase como se não estivessem ali! Para os mais curiosos, as rochas escondem um mundo altamente dinâmico: nas superfícies que habitualmente permanecem submersas pela maré, desenvolve-se um ecossistema rico, onde pequenos invertebrados encontram refúgio e servem de alimento a várias espécies de aves.

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Em criança, adorava explorar as poças de maré, movido pela curiosidade e pelo fascínio pelo mundo escondido entre as rochas. Passava horas a observar as algas ondulantes, os pequenos caranguejos que se escondiam apressadamente sob as pedras e, com um pouco de sorte, a encontrar estrelas-do-mar agarradas às superfícies submersas. Hoje em dia, estas aves limícolas fazem exatamente o mesmo. Mas, ao contrário da minha curiosidade infantil, que se alimentava apenas do prazer da descoberta, elas exploram estas mesmas poças e recantos por uma questão de sobrevivência.

Apesar de observável durante todo o ano, a tarambola-cinzenta cresce em número durante o inverno. O voo dos bandos desta limícola é um espetáculo visual, marcado pelas variações de trajetória e pelo contraste do padrão preto e branco nas asas da tarambola. De aspeto robusto, tem pernas longas, bico curto e forte, e uma tonalidade maioritariamente acinzentada. No inverno, exibe um padrão escamado no dorso e nas asas, com peito e ventre mais pálidos; no verão, torna-se mais vistosa, com uma máscara preta que se estende pela garganta, peito e abdómen, contrastando com os flancos brancos e a malha branco-preta no dorso e nas asas. Esta transformação sazonal realça a beleza e adaptabilidade da espécie ao longo do ano.

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Sensíveis ao movimento humano, estas aves estão sempre alerta, prontas a levantar voo ao menor sinal de perigo ou desconfiança. A sua sobrevivência depende da sua cautela, e qualquer aproximação brusca pode ser interpretada como uma ameaça. Assim, a melhor forma de nos aproximarmos é com paciência, através de movimentos lentos e pausados, permitindo que se habituem à nossa presença sem sentirem necessidade de fugir.

As rochas tornam-se aliadas nesta observação silenciosa, servindo de esconderijo natural e proporcionando uma posição estratégica para contemplar o seu comportamento sem interferir. Ao mantermos uma postura discreta e respeitosa, conseguimos testemunhar cenas únicas da vida destas aves: desde a sua procura meticulosa por alimento até às interações sociais, que revelam hierarquias subtis dentro dos bandos. Dessa forma, garantimos que não lhes causamos stress desnecessário, permitindo que continuem a sua rotina diária sem perturbações. No entanto, se, mesmo com todos os cuidados, levantarem voo num movimento repentino, a melhor atitude é simplesmente deixá-las ir, sem forçar a sua permanência. A paciência é uma virtude essencial na observação da natureza e, muitas vezes, basta esperar por outra oportunidade para vê-las regressar, retomando o seu ritmo tranquilo, confiantes de que o espaço continua a ser delas.

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Observar aves na costa portuguesa, especialmente no inverno, permite-nos compreender melhor o seu comportamento e a importância destes habitats. Espécies como o corvo-marinho e a tarambola-cinzenta dependem destas zonas costeiras para se alimentarem e descansarem, e a sua presença é um indicador da saúde dos ecossistemas.

O relógio marcava as 11h quando decidi que era hora de regressar a casa. A maré já subia, e o risco de ficar "preso" numa rocha tornava-se cada vez mais real. A manhã chegou ao fim com a sensação de missão cumprida e, claro, com os pés molhados — mas isso faz parte da experiência. Que venham muitas mais manhãs assim!

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